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O Dinheiro é a Maior Mentira do Capitalismo: Desvendando a Contradição entre Valor Social do Trabalho e sua Representação

Por Trás do Discurso existe para rachar o muro ideológico que sustenta a dominação de classe. E se o capitalismo parece confuso, caótico e eternamente à beira do colapso, não é por acaso: ele opera através de máscaras, disfarces e inversões da realidade.

Como Marx nos ensinou: se a essência e a aparência das coisas coincidissem, não precisaríamos de ciência. Bastaria olhar para entender. Mas no capitalismo, tudo que reluz está longe de ser ouro — e tudo que parece sólido se dissolve no ar.

A contradição que melhor ilustra esse abismo entre aparência e essência é o que David Harvey chama de Contradição Fundamental 2: a distância brutal entre o valor social do trabalho e sua representação pelo dinheiro.

Não se trata de um problema contábil. Estamos falando do motor da alienação universal, da fonte daquele fetichismo que transforma o dinheiro no “Deus supremo” do mundo das mercadorias. E pior: da raiz das crises econômicas que o sistema insiste em chamar de “imprevisíveis”.


1. O Valor é Real, mas Invisível

Na economia política marxista, o valor é a fundação de tudo — mas permanece obstinadamente imaterial e invisível.

O que é o valor social do trabalho?

Pense assim: você acorda, toma café, veste uma roupa, usa energia elétrica, vai ao médico, envia mensagens pelo celular. Para que tudo isso seja possível, milhões de pessoas trabalharam: plantaram café, coseram sua roupa, operaram usinas, estudaram medicina, programaram aplicativos.

O valor é essa teia de relações sociais — é o trabalho humano condensado nos produtos e serviços que circulam pelo mundo. É por isso que certos produtos custam mais que outros: não pela utilidade (você precisa mais de água que de diamante, mas a água é barata), e sim pelo trabalho socialmente necessário para produzi-los.

O dinheiro, então, é apenas o símbolo material dessa imaterialidade. Um código que nos permite reivindicar uma fatia do trabalho social alheio. Uma representação.

E é justamente nessa lacuna — entre a representação (dinheiro) e a realidade social (trabalho) — que mora a contradição mortal do capitalismo.


2. O Dinheiro Esconde o Trabalho: O Fetichismo Triunfa

O dinheiro tem funções técnicas óbvias: facilita a troca, oferece uma régua comum de valor, funciona como reserva. Até aqui, nada de mais.

O problema é que o dinheiro assume funções sociais e políticas que o transformam em objeto de cobiça, ganância e, finalmente, de poder.

E aqui está o truque: o dinheiro esconde o trabalho.

Como o valor é invisível, e o dinheiro é sua única forma tangível, acabamos cegos para a natureza do trabalho social. Ninguém pergunta quem costurou a camiseta que compramos, nem se importa com as centenas de trabalhadores que morreram em fábricas desabadas em Bangladesh. O que importa? O preço.

Essa cegueira não é acidental — é estrutural. O capitalismo se reproduz através dessa má compreensão generalizada, que Marx chamou de fetichismo da mercadoria. Acreditamos que o valor está nas coisas, não no trabalho humano que as criou. Acreditamos que o dinheiro tem poder por si mesmo, não porque representa trabalho alheio acumulado.

E enquanto não enxergamos isso, continuamos presos.


3. A Patologia do Capital Fictício

Aqui a coisa fica ainda mais sombria.

Quando o dinheiro é apropriado de forma privada, ele se transforma em poder social ilimitado. O desejo por dinheiro deixa de ser apenas desejo por bens — torna-se desejo pelo próprio poder. E assim, o dinheiro vira um fim em si mesmo.

Aí acontece algo bizarro: o dinheiro, que deveria medir o valor, passa ele próprio a ser tratado como mercadoria. Surge o capital-dinheiro — dinheiro que “gera” mais dinheiro por meio de juros, sem passar pela esfera produtiva.

É uma tautologia: o valor de troca do dinheiro passa a ser… o pagamento de juros. Ou seja, atribuímos valor àquilo que mede o valor. É como usar a régua para medir a si mesma.

Mas a patologia aprofunda quando chegamos ao capital fictício:

  • Capital fictício é dinheiro investido em atividades que não criam valor (não são produtivas), mas que podem ser altamente lucrativas.
  • Especulação imobiliária, por exemplo: comprar e revender imóveis não produz nada, não cria valor — mas gera lucros astronômicos.
  • Antes da crise de 2008, montanhas de capital fictício convergiram para o mercado habitacional, inflando preços e criando uma bolha gigante.
  • Instrumentos financeiros como CDOs (obrigações de dívida colateralizadas) empacotavam hipotecas podres e as revendiam como se fossem ativos sólidos — capital fictício elevado à enésima potência.

Quando o dinheiro vira puro número (como nos sistemas eletrônicos de hoje), sua quantidade se torna potencialmente infinita. E essa desconexão total entre dinheiro e trabalho permite que o capital fictício prolifere, sustentando a ilusão de um crescimento exponencial infinito.

Até que a bolha estoura. E então descobrimos que o imperador estava nu o tempo todo.


4. A Luta Contra o Poder Monetário

David Harvey é direto: o acúmulo e a centralização de dinheiro por indivíduos são decisivos para a formação de um poder de classe capitalista coerente. Ganância e cobiça não são vícios individuais — são as características centrais do corpo político capitalista.

Expor o papel do dinheiro como ferramenta de dominação é, portanto, fundamental para qualquer prática política anticapitalista.

A saída? Não está em “regular melhor” ou “humanizar” o capitalismo. Está em buscar a dissolução do poder do dinheiro e reorientar a atividade econômica para a criação contínua de valores de uso pelo trabalho social — não a busca perpétua por valores de troca.

Enquanto estivermos hipnotizados pelo brilho do dinheiro, enquanto não entendermos que ele mente sobre a realidade do trabalho, nossas análises políticas estarão fundadas em areia movediça.

A libertação começa quando arrancamos a máscara do dinheiro e revelamos a força de trabalho social que ele tenta, inutilmente, esconder.


Aqui no Por Trás do Discurso, seguimos desmontando as narrativas que naturalizam a exploração. Porque entender como o poder se disfarça de senso comum é o primeiro passo para destruí-lo.

Renan Silva

Renan Silva é Bacharel e Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Pará, especialista em Ensino da Geografia, Geografia Regional Brasileira e Educação Ambiental, professor efetivo da Secretaria de Educação do Pará e pesquisador dedicado ao estudo das relações entre linguagem, ideologia e poder. Sua atuação parte de uma abordagem marxista e materialista histórico-dialética, voltada à compreensão de como o discurso participa da manutenção das estruturas sociais e econômicas do capitalismo. Criador do projeto Por Trás do Discurso, Renan propõe análises críticas das falas e narrativas de figuras públicas — políticos, influenciadores, pastores e empresários — com o objetivo de revelar os interesses e contradições que se escondem sob a aparência de neutralidade. Seu trabalho busca transformar a crítica em uma ferramenta de emancipação: compreender o discurso não apenas como comunicação, mas como prática social que forma consciências, naturaliza desigualdades e pode, quando desvelada, abrir caminhos para novas formas de pensar e agir coletivamente.

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